Vai passar...
- Lucila Moreira Silveira
- 12 de mai. de 2021
- 3 min de leitura
NELSON RODRIGUES, proferindo um de seus “aforismos”, bradava (ou escrevia): “Toda
unanimidade é burra! Com exceção do Chico Buarque”. Naqueles efervescentes anos 1960,
Chico surgiu como um menino muito bonito, apolíneo, cara de bom moço, “O genro que toda
sogra quer ter”. O Brasil inteiro passou a cantar músicas como “A Banda”, “Carolina”, “Olê, Olá”,
“Gente Humilde”, etc.
Lembro que a primeira revista que não era de quadrinhos que meu Pai comprou pra mim foi uma
revista de cifras, com o Chico na capa. Lembro também que o rapaz da banca comentou "
Ela tem bom gosto, Chico Buarque”. Por sinal, ainda existem bancas de revistas?
Eu não entendia lhufas de cifras e nem me passava pela cabecinha (devia ter uns seis, sete anos)
fazer aulas de violão. Mas pelo menos já sabia ler, e andava pra cima e pra baixo com a revista
do rapaz bonito na capa, lendo pelo menos as letras.
Era essa, a foto. Que estampava a capa da revista e estampa a capa do disco “Chico Buarque” e
que traz obras primas (perdão pela tietagem) como “Feijoada Completa”, "
Cálice”, “Trocando em Miúdos, “O Meu Amor”, “Homenagem ao Malandro”, “Até o Fim”,
“Pedaço de Mim”, " Pivete”, “Pequeña Serenata Diurna”, “Tanto Mar” e "Apesar de Você”.
Tomando emprestada outra pérola de Nelson Rodrigues, imagino que a cultivada dama ou o
estimado cavalheiro que porventura estejam lendo estas mal traçadas não exigirão e nem
precisarão que eu faça uma extensa análise biográfica e crítica de Francisco Buarque de
Holanda, até porque “aqui falta saber, engenho e arte”.
Gostaria de me concentrar na última canção citada, “Apesar de Você”. Como sabem, ela foi
composta originalmente por um sujeito chamado “Julinho da Adelaide”. E, quando a censura (é,
lembram dela? Existiu e pode existir de novo, todo cuidado é pouco...) amenizou, passou a ser
composta por seu verdadeiro autor, Chico Buarque de Holanda.
"Julinho da Adelaide" era um artista cuja única e exclusiva arte era “ser" Chico Buarque para fins
da malsinada censura. Ele, “Julinho”, compunha como o Chico, cantava como o Chico, aparecia
nos discos do Chico como um prolífico compositor e letrista, mas não era o Chico. Era uma
fachada.
Aliás, toda essa história (e, realmente, a história vai sempre se repetir como farsa, se não
tomarmos cuidado e não tratemos nossos títulos eleitorais como bebês recém-nascidos) toda
essa história de cerceamento da liberdade de expressão remete à Comissão comandada pelo
senador McCarthy, de triste e não muito saudosa lembrança, que jogou muitos roteiristas
confessadamente comunistas a inventarem pseudônimos para continuar a trabalhar. Há um filme
eficiente chamado “Trumbo”, na Amazon Prime, que recomendo.
Mas o caso americano, mesmo sendo a mesma história, com os mesmos personagens, fica para
outra vez.
Quando ouvi pela milionésima vez, “Apesar de Você”, subiu um sentimento de... angústia?
Saudosismo? Não, acho que foi de angústia, mesmo. E de raiva misturada com alegria e
esperança.
“Apesar de você, amanhã há de ser outro dia..."
Acredito que todos queremos outro dia, e com urgência, porque ninguém aguenta mais o
"Novo normal”, o álcool gel, a máscara, todos queremos ser vacinados (bem, parece que nem
todos), todos queremos voltar a nos abraçar e beijar, a marcar encontros sem o horrível (mas
ainda necessário, cumprimento por cotoveladas, jamais pensei que iria por aí dando cotoveladas
a torto e a direito), assim como necessárias medidas ainda são o álcool gel, a máscara, todas as
precauções recomendadas pela OMS, pelo amor de Deus não embarquem em outras ondas), a
tomar as ruas, as praças, as praias... Enfim, ainda não podemos “aglomerar”, verbo que entrou
tristemente para o nosso vocabulário cotidiano. Mas podemos agir.
Enfim, voltando (ufa!) à música do Chico, além de tê-la ouvido de novo, procurei no YouTube
velhas (mas não desatualizadas) entrevistas e depoimentos. Deu vontade de chorar. Chorar
porque no tempo em que as entrevistas foram realizadas, na "abertura" da ditadura militar, ainda
se falava em futuro. Em esperança. Em refazer.
Todos pareciam acreditar que o Brasil era, ainda, viável.
Na entrevista do Canal Livre, Chico é alvo de perguntas do público e de alguns famosos.
Armando Fagundes perguntando sobre o “poder político” da Arte. Gianfrancesco Guarnieri
falando de Teatro. Augusto Boal, em outro programa, perguntando se Chico achava que se podia
retomar de onde foi rompido.
“Apesar de Você, amanhã há de ser outro dia...”
Agora, quando o País está se dissolvendo dolorosamente, nesta fase aterrorizante, “O Que
Será”?
Agora, é tornar o Brasil viável novamente, sem brincadeiras irresponsáveis.
E lembrar do conselho do Poeta: “EM FACE DOS ÚLTIMOS ACONTECIMENTOS: Oh! Sejamos
Pornográficos. (Docemente pornográficos).
E eu completo: Vamos todos tomar vergonha na cara!

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